No final de 2009, o Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza – CDVHS, localizado no Grande Bom Jardim, região mais populosa de Fortaleza (CE), foi procurado pelo Instituto Brasileiro de Museus – Ibram para debater a importância do resgate da memória local para o fortalecimento da identidade do bairro. O processo, que articulou a rede de entidades que atuam no Grande Bom Jardim, se deu em meio às discussões para a implementação, na localidade, do Território de Paz, ação do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania. A partir desse processo de articulação, chegou, ao bairro, o Programa Pontos de Memória, inaugurando, em 2012, o Ponto de Memória do Grande Bom Jardim.
“O Ministério da Cultura, através do Ibram, veio aqui no Grande Bom Jardim para discutir a importância da cultura, em todas as suas dimensões, para a transformação do território em um Território de Paz, mantendo as raízes culturais, a identidade das pessoas, do lugar, do povo”, lembra Marileide Luz, coordenadora do CDVHS, que, junto a outras entidades, compõe o conselho gestor do Ponto de Memória.
Considerar os museus como instrumentos de transformação social e valorizar o protagonismo comunitário são os pontos centrais do Programa Pontos de Memória. Mantido pelo Ibram, o programa apoia iniciativas de reconhecimento e valorização da memória social por meio de metodologia que pretende trabalhar a memória como resultado das interações sociais e dos processos comunicacionais.
No Ponto de Memória do Grande Bom Jardim, a primeira exposição foi aberta em novembro de 2012. “Foi um trabalho bastante denso, de pesquisa e de escuta de moradores antigos até chegarmos à exposição, que reúne os relatos dos moradores e objetos que fazem parte dessas narrativas”, contou a coordenadora do CDVHS. Atualmente, o Ponto de Memória faz parte da rede local de desenvolvimento sustentável, composta por 35 entidades, e, para Marileide Luz, tem papel fundamental para sua mobilização.
“Vejo o Ponto de Memória como imprescindível para a mobilização, para a compreensão do imaginário das pessoas e para dar sentido a essa mobilização, ainda mais em um tempo de escassez das esperanças. O Ponto de Memória tem esse papel de garantir uma mística de continuidade. Não de saudosismo, mas de registro, de sentido, de movimento. O Ponto tem sido imprescindível para a retomada das lutas para garantir o bem-viver no Grande Bom Jardim, para valorizar os espaços e as pessoas e para garantir a autoestima”, afirmou Luz.
Entre as atividades realizadas, atualmente, pelo Ponto de Memória estão as rodas de memória. A metodologia está sendo usada para recuperar a história dos padres combonianos, responsáveis pelo surgimento, no Grande Bom Jardim, das Comunidades Eclesiásticas de Base, entidades que, historicamente, estiveram entre os protagonistas das lutas populares no Brasil e na América Latina, principalmente durante as décadas de 1970 e 1980. As rodas de memória, como explicou Luz, funcionam como um debate em um programa de auditório.
“A gente escuta o padre e as pessoas fazem perguntas, lembram da história e complementam a história que o padre vai contando a partir das perguntas. Uma equipe elaborou um roteiro para as rodas de memória, com perguntas específicas que os padres vão respondendo e quem está presente – a gente tem feito um esforço para chamar as pessoas desse período, que atuaram com os combonianos – vai fazendo sua intervenção e contando como percebeu a história”, contou a coordenadora, observando que, além de registrar e dar sentido à história da comunidade, a iniciativa traz também o desenvolvimento da compreensão dos caminhos que podem ser seguidos no presente.
Segundo a professora Maria José Palo, do programa de pós-graduação em Literatura e Crítica Literária da PUC-SP, a memória dos lugares determina o sentido de pertencimento a uma comunidade. “Tanto a memória oral quanto a escrita e a visual se unem para se tornarem narrativas de transmissão às gerações futuras e propiciar-lhes mundos possíveis”, afirmou a especialista.
A cultura, de acordo com Palo, só existe pela atuação daqueles que dela fazem parte e toma forma a partir de cada uma de suas manifestações. Dessa forma, a cultura assume um papel preponderante como cultura local do grupo. “Apenas nessa constituição própria da cultura, no cenário histórico contemporâneo, é que ela pode oferecer uma alternativa que seja entendida pela comunidade, considerando, com prioridade, suas ambiguidades, transitoriedades e flexibilidades. Apenas sob o signo dessa complexidade a comunidade conquistará sua autonomia”, disse.
Bernardo Vianna / blog Acesso
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