Entre os dias 29 de setembro e 1 de outubro, em Belo Horizonte (MG), aconteceu o Seminário Patrimônio Cultural Imaterial, uma iniciativa da Rede Catitu. Em sua primeira edição, o Seminário reuniu palestrantes de áreas de atuação diversas, que deram um panorama amplo sobre o tema. Estiveram presentes nas mesas de debates representantes do governo, de grupos culturais e do meio acadêmico, trocando experiências que, agora, estão reunidas em um documento que registra os principais pontos debatidos.
No relatório realizado pela organização do Seminário, publicado abaixo, você conhecerá apontamentos que poderão ser úteis para futuros debates e articulações em torno da salvaguarda do Patrimônio Imaterial. Como disse o coordenador do Observatório da Diversidade Cultural da PUC-MG, José Márcio Barros, “tradição é aquilo que pode ser colocado em um arco e enviado numa flexa para o futuro”.
Registros do I Seminário Patrimônio Cultural Imaterial
Sobre o incentivo e fomento ao Patrimônio Cultural Imaterial, bem como metodologias de inventários e registros, evidenciou-se:
• A necessidade eminente de priorizar os inventários: “conhecer para registrar”, ressaltando a importância do mapeamento que é, ainda, anterior ao procedimento de inventário de bens e manifestações culturais.
• Registros e planos de salvaguarda devem fazer parte da consolidação das políticas públicas para a cultura, em todos os âmbitos da federação, na área da preservação do Patrimônio Imaterial.
• Conhecer, sistematizar e possibilitar a transmissão e fruição dos Patrimônios Culturais Imateriais.
• Viabilizar meios (bem como estudar formas de conceber estes meios) geradores de sustentabilidade para o Patrimônio Imaterial.
• Todas as instituições devem trabalhar com a premissa de que o Estado e a sociedade civil são co-gestores do Patrimônio Cultural.
• As comunidades locais são parceiras necessárias nos procedimentos de inventários públicos de Patrimônios Culturais Imateriais. Deve-se estar atento à forma de difusão das informações coletadas, pois existem vários fatores em torno desse tema como o acesso à cultura e os direitos de imagem das comunidades.
• As demandas locais devem nortear a eleição das prioridades das políticas públicas a serem implementadas no setor do Patrimônio Cultural Imaterial.
• Os órgãos de licenciamento ambiental, que viabilizam a instalação e funcionamento de empreendimentos diversos, devem trabalhar de forma alinhada com os órgãos de proteção ao Patrimônio. Hoje, o mais comum é a emissão de licenças ambientais sem a oitiva de órgãos públicos do setor cultural acerca da viabilidade da implantação do empreendimento.
• A análise quanto aos “territórios” de expressão das manifestações culturais é de suma importância. O plano de salvaguarda de muitos Patrimônios Imateriais estão diretamente associados à preservação do espaço físico em que eles ocorrem.
Sobre as discussões jurídicas relacionadas ao Patrimônio Imaterial:
1. Paisagem cultural e sua relação com o Patrimônio Imaterial
• A paisagem cultural deve ser pensada como uma porção peculiar do território nacional à qual a vida e a ciência atribuem valor.
• A paisagem cultural não é um mecanismo de proteção, mas um procedimento administrativo que visa reunir diferentes mecanismos de proteção ao Patrimônio Imaterial, tais como tombamento, registro e declaração de interesse público sobre obras musealizadas.
• Existem dossiês em andamento, mas ainda não foi concedida pelo Poder Público nenhuma chancela de paisagem cultural no Estado brasileiro.
• A portaria do IPHAN, editada em 2008, que institui a proteção da paisagem cultural não parece ser o instrumento legal mais adequado para sua finalidade, uma vez que, como simples portaria, tal norma tem sua eficácia limitada.
2. Sobre a análise da legislação acerca dos tesouros vivos, com o relato da experiência do Ceará:
• Tal legislação surge da necessidade de se contemplar os guardiões dos conhecimentos tradicionais, “os mestres”, como Patrimônios Imateriais.
• Além da proteção aos mestres, as leis que reconhecem os tesouros vivos devem oferecer salvaguarda, ou seja, garantia de transmissão dos conhecimentos dos mestres às gerações vindouras.
• Há a necessidade da criação de um estatuto de proteção ao Patrimônio cultural, uma legislação que unifique e fortaleça o marco legal para o setor. A legislação atual sobre o tema é esparsa (várias leis, decretos e portarias, entre outros). É comum que esses vários instrumentos jurídicos sejam conflitantes ou inaplicáveis, o que dificulta a proteção ao Patrimônio.
• A proteção meramente declaratória de tesouros vivos é insuficiente, pois é preciso que se viabilize, inclusive via recursos financeiros, o incentivo e transmissão da produção cultural personificada nos mestres.
• O título de “tesouro vivo” é, por vezes, criticado, sob argumento de que a ideia de patrimonialização de pessoas poderia gerar a cristalização do conhecimento. Entretanto, a política de reconhecimento dos mestres deve ser vista como uma conquista social e cultural dentro do seguimento do Patrimônio Imaterial.
• A primeira lei de tesouros vivos do Ceará, editada em 2003, previa apenas o registro dos mestres enquanto pessoas físicas. Além disso, era exigido como contrapartida dos mestres a participação em palestras e cursos promovidos pelo poder público. A evolução do marco legal cearense veio em 2006, com a nova lei dos tesouros vivos, que ampliou o registro para grupos e coletividades.
• Duas propostas de leis interessantes podem ser: a criação de um livro específico do patrimônio vivo; um projeto de lei estabelecendo tratamento diferenciado para os mestres dentro da política pública de assistência social.
• Outra sugestão, a partir dessa experiência, é que os mestres, independentemente de sua condição socioeconômica, devem ser reconhecidos como tal desde que sejam, de fato, guardiões/mantenedores de Patrimônios Imateriais.
3.Sobre a biopirataria e a propriedade imaterial
• A previsão constitucional de proteção à cultura representa a superação do paradigma da perspectiva paternalista do Estado; e também a superação do estabelecimento de uma valoração cultural que só leve em consideração aspectos históricos e extravagantes.
• A Constituição Federal de 1988 nos levou à criação de uma identidade cultural baseada em referências internas e regionais.
• A Constituição Federal de 1988 também previu formas plurais de proteção à cultura, tais como os inventários, registros, tombamentos, vigilância e desapropriação.
• Os grandes desafios que se impõem à cultura, hoje, são a identificação de nossas referências culturais e a delimitação de um ponto de equilíbrio entre os interesses em jogo, nas esferas pública e privada.
• O inquérito civil público, promovido pelo Ministério Público, pode se constituir em registro documental para fins de proteção do Patrimônio, na medida em que seus membros se envolvam com a elaboração de relatos escritos, vídeos, fotografias e outras formas de registro. Um exemplo disso foi o reconhecimento público da importância cultural do grupo Giramundo.
• Com relação à biopirataria, foi citado o caso da Farmacopéia do Brasil que, em 1946, incluía apenas plantas e, hoje, só abrange fármacos químicos. O resultado desse processo é que as plantas nativas do Brasil acabam sendo patenteadas por empresas estrangeiras.
Sobre a discussão de casos concretos de proteção e promoção do Patrimônio Cultural Imaterial:
• A necessidade de sensibilizar, conscientizar e capacitar agentes nas comunidades e nos grupos mantenedores dos Patrimônios Imateriais, por meio de investimentos que viabilizem a formação em várias áreas do conhecimento, especialmente em: educação para o Patrimônio; inclusão digital; elaboração, execução e avaliação de projetos; economia criativa e economia da cultura; desenvolvimento sustentável; turismo comunitário.
• É imprescindível que o poder público ampare as comunidades guardiãs de Patrimônios Culturais Imateriais, principalmente quanto às questões de exploração de imagens e sons; apropriação privada de conhecimentos tradicionais e de direitos autorais; turismo depreciativo; apropriação de símbolos das manifestações culturais para fins comerciais, sem retorno ou aceitação das comunidades mantenedoras dessas manifestações.
• Em que pese ser o “registro”, o instrumento específico de reconhecimento e proteção no seguimento do Patrimônio Cultural Imaterial, independente desse instrumento jurídico, o que fica evidente é que comunidades e pessoas têm buscado o poder público para o reconhecimento oficial, bem como para a proteção de suas manifestações e bens culturais.
• Dos Patrimônios Culturais Imateriais existentes, poucos têm o reconhecimento Estatal.
• Necessidade de apoiar as medidas de salvaguarda do Patrimônio cultural, eleitas pelos próprios mantenedores do patrimônio. No estudo de caso do Samba de Roda da Bahia, que teve reconhecimento como Patrimônio Cultural Imaterial pelo IPHAN, foram identificadas algumas medidas: o apoio à formalização de associações; fomento às apresentações do Samba de Roda; capacitações para mantenedores da tradição.
Sobre as discussões do Terceiro Setor na defesa e promoção do Patrimônio Cultural Imaterial, destacam-se:
• No Estado de Goiás, a mobilização social das festas populares propiciou a inserção da “Academia” na sociedade, diminuindo distâncias entre pesquisadores, ativistas culturais e mestres, que juntaram forças para a realização de audiências públicas em conjunto com o Ministério Público, no sentido de mobilizar as comunidades, para o mapeamento das manifestações folclóricas do Estado.
• No Espírito Santo há a Comissão Espírito Santense de Folclore que apoia a formação de comissões municipais de folclore em vários municípios, fortalecendo o setor. Também nesse Estado configuraram-se formas facilitadas de incentivo financeiro aos grupos mantenedores de tradição, tendo em vista a desburocratização do incentivo público e a capacitação de membros das comunidades para o recebimento e a prestação de contas de verbas públicas.
• No Pará tramita o pedido de reconhecimento como Patrimônio Cultural Imaterial do Carimbó. E são econtrados desafios como a morosidade do procedimento de inventário, em função do baixo recurso público para tal, bem como em função do número insuficiente de técnicos nas Instituições Públicas de reconhecimento dos Patrimônios Culturais Imateriais.
• Em Minas Gerais há o Centro de Apoio Operacional ao Terceiro Setor – Ministério Público Estadual que, embora não tenha atuação restrita ao setor cultural, pode auxiliar nos processos de mobilização das comunidades e na discussão dos conflitos, além de capacitar associações quanto à prestação de contas quando do recebimento de verbas públicas.
Postado por BLOG ACESSO
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